sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

O absurdo das entrelinhas tortas

Com resultados estarrecedores, questionamos para onde foi a leitura de nossos estudantes! Seguindo a maré de banalização de nossos tempos, onde nada, absolutamente, é relevante, as linhas tortas do desconhecimento dos alunos hoje se refletem claramente em "notas" de provas, como as do ENEM, por exemplo. Tortas de tal maneira que nem conseguem traduzir a fragilidade da formação escolar em nosso país, tampouco explicam o fracasso das relações interpessoais que norteiam a construção de conhecimentos, bem como as ações que visam a colocá-los em prática no dia-a-dia. No entanto, o colapso vai além, porque quando se fala em educação, grosso modo, pensa-se apenas em matérias escolares, ficando de lado tudo o que uma pessoa aprende e percebe fora dos muros das escolas, uma vez que tal percepção é fraca e inconsistente. Basta considerarmos alguns fatores. Vejamos a realidade de coisas-prontas e ideias como numa produção em série, assim como o imediatismo dos comportamentos padronizados conforme o que a moda e a mídia ditam, enfim, a lista seria imensa ao analisarmos a liquidez das condutas humanas e das linhas de prioridade de crianças, jovens e adultos. E dizer que o tema A ou o B não são atuais e discutidos pelos meios de comunicação é o subterfúgio mais fácil, que confirma nossa docilidade e conformismo com o prato-feito de notícias que nos são dados. Padrões errôneos à parte, o olhar deve se voltar às questões da leitura e o que se faz com o que se lê. Crianças, jovens e adultos podem hoje mergulhar num mar de textos através da internet. Mas a oferta de materiais de leitura não é sinal de qualidade, nem de bons resultados quanto à percepção de mundo das pessoas. Parece justamente o contrário: quanto mais leem, menos sabem. As entrelinhas tortas revelam o absurdo do despreparo de nosso país, que testa alunos como cobaias, num resultado frustrante que mais parece uma experiência distorcida de modelos de educação mal adaptados a nossa realidade. Triste é saber que a maioria de nossa população crê piamente que isso é normal. 

O desconcerto da falta de contextualização é latente. Embora o mercado editorial seja o maior em toda a história da humanidade, a qualidade da leitura da maioria dos estudantes é bastante questionável. A maioria delas, em nosso país, oscila entre best sellers e autoajuda, fofocas e informações sem relevância, a vida das 'celebridades', notícias sobre futebol, piadas de baixo calão, violência etc. O que os livros didáticos contêm parece não despertar mais o interesse dos alunos. A concorrência é grande! Devemos considerar também o fato de que não temos um grande público leitor - nunca tivemos - nem dentro nem fora das escolas, e não é por que temos uma prova de âmbito nacional que nossa população vai mudar seu perfil, só por que os professores insistem em dizer que ler é algo necessário à vida, ou que interpretar fatos políticos e sociais terá alguma importância na vida de nossos estudantes. Reproduzo aqui o clichê mais agorento de nossas escolas: "Para quê isso vai servir em minha vida?" Nossa população é um resultado de décadas de mídias tendenciosas, de políticas caducas de motivação à leitura, do desinteresse de nossos governantes em tornar nosso país um lugar melhor, mais digno, onde o sonho das crianças não seja nivelado por baixo. Mas também temos culpa nisso, à medida que aceitamos o rótulo que nos foi dado. Nosso papel foi historicamente definido como o de um país onde o pensamento é artigo de luxo. O pensamento consciente, lógico! Devemos ser forças de trabalho, não mentes pensantes. Este último fato, um direito arrancado no instante do parto da consciência e, junto com ela, a visão de mundo. O problema vai além de erros de ortografia, pontuação e dos significados das palavras. Sim! Somos culpados pelas linhas tortas da aceitação!

Há tempos, nossos estudantes estão avulsos à capacidade de ver o mundo e de interpretar a realidade e suas frações problemáticas, tais como questões sociológicas, políticas e culturais. Não sabem, nem se importam em saber de questões locais muitas vezes, o lixo no chão, a parede suja, a violência, o desrespeito; nada nos comove mais. Olhar ao redor com consciência é algo absurdamente difícil para muitos, já condicionados a ver apenas o óbvio. As gerações anteriores, pobres e ricas, cairiam pasmas diante da oferta de livros, revistas, aulas e explicações disponíveis na internet hoje, ao alcance dos dedos, nos bolsos, nos celulares. Infelizmente, as ferramentas digitais parecem servir apenas para manifestações narcisistas e dizeres de curto efeito, servem para manipulação e estagnação mental, nada mais, nada muito profundo, nada de leituras, nem de textos, nem de imagem. O que importa é ler a superficialidade. O luxo da consciência foi trocado pela desesperança que assola nossos jovens e faz deles peças de manobras sociais de grandes proporções. Eles se resignaram, extravasam suas frustrações nas festas, ou na solidão das telas, do brilho do progresso tecnológico, que lhes sopra nos ouvidos a promessa de que o conhecimento está no próximo hiper-texto, ali, no próximo site. E o susto vem depois, quando se deparam com a realidade absurda que afirma, e reafirma, que ainda não estão prontos.

Os resultados estranhos nas provas de redação são disparos pela culatra do prisma do pedantismo dos jovens, e dos adultos também, que "acham" que sabem tudo, que sabem escrever, que leem bem, interpretam bem. No fim das contas, todos caem na armadilha do sistema, que não preza o pensamento, mas que cobra, equivocadamente, de uma população a capacidade de pensar. Nosso sistema educacional é negligenciado, deixado em segundo plano. A prioridade é outra: diversão! Nada mais importa! Afinal, não somos levados a sério! Mas poucos se perguntam se encaram a vida escolar com devida seriedade. A escola se tornou depósito e local de lazer, lutando contra uma série de práticas sociais incontroláveis. Ela precisa mudar! Mas só mudará quando a sociedade também mudar. Escrever um bom texto é traduzir em palavras a visão de mundo, das particularidades e das observações coletivas, trabalho que requer tempo, reflexão, compartilhamento de ideias e análise dos fatos, que não se faz apenas na sala de aula, e sim no corredor, na calçada, em casa, na rua. Não se faz em pouco tempo, pois é um lavouro inerente à maturidade do ser. Cobramos de jovens a capacidade de expressão que é a construção de uma vida, como a edificação de uma casa. Entretanto, tentamos construir a casa a partir do telhado.


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Um comentário:

Denise Ferreira... disse...

Não somos levados a sério,mas,somos cobrados como se fossemos. E é por isso que há esse descompasso, como um número de dança não ensaiado, na qual se tem que apresentar o que não foi planejado,pois, há uma plateia a assistir e a cobrar a tal dança.
Estamos sendo moldados por escultores sem talento e experiência. A sociedade está vivendo uma era de fluidez a qual não permite planejamento nem projetos a longo prazo,pois esses ficam apenas no mundo das ideias,enquanto no mundo real a um continuo crescimento da efemeridade e do caos.
Amei o texto!