segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Fuja da caverna


Por que fugir da caverna

Pensemos em algo sutil. A linguagem é, sem dúvida alguma, o elemento de diferenciação entre o humano e as demais criaturas. Longe do pedantismo, é a linguagem que legitima nosso intelecto, é ela que eleva nossa consciência às fronteiras absurdas da epistemologia, permitindo-nos crer, duvidar ou aceitar o meio termo, as meias verdades. Assim, a manifestação dos murmúrios e dizeres vagos se sistematizou, tornou-se complexa, expandindo as possibilidades das palavras, das sílabas, das imagens, dos sons, ou da ausência de todos, como se fosse possível traduzir em códigos até mesmo o silêncio. Contudo, a obscuridade de outrora ainda habita entre nós.
Saímos da caverna e abandonamos os tons bestiais para sermos agraciados com nossa criação, a linguagem, aquela que registra o nosso pensar, ou as coisas que se parecem com pensamentos. Mas há muitas desavenças, porque a linguagem se degrada, faz o caminho de volta. Se é esta a fração de nossas faculdades mentais que nos difere de nossos irmãos bípedes e quadrúpedes, como é possível aceitar palavras empobrecidas pelas mãos dos significados ridículos e tacanhos? A recolocação dos códigos criará ilhas, legiões de incompreensão. Ou será engano? Se justo o que nos abstrai e torna nosso universo, igual em substância, diferente em essência, por que insistimos em esfacelar o que os séculos criaram? Antes, todos admiravam um belo poema, a beleza intrincada das orações e das palavras, os ritos, tudo, fotografias dotadas de arte, quadros inspiradores. É estranho pensar que a linguagem hoje opere em prol das relações humanas refrigeradas. A comunicação lépida parece desafiar o saber. Engano? Há quem tenha meda das proparoxítonas, dos provérbios, das dezenas de páginas. Estranho, porque julgam ser a humanidade de hoje a que mais lê. Existem leituras perigosas. E apropriações mais perigosas ainda.
Alçamos uma embriaguez que dilui as palavas em siglas e sinônimos impossíveis, acostumados com a brutalidade, transferimos nossos lapsos de bicho até para os vocábulos, na tentativa de expressar o que nossa cultura não pode entender. O problema é nos nivelarmos por baixo, abaixo do aceitável. E o problema do problema é rirmos disso, selamos o nosso conformismo com a estagnação cultural. 
Ao ouvirmos falar de ciclos entre a sapiência e a ignorância, era inconcebível pensar que viveríamos o lado obscuro dessa realidade. O poder das palavras se rendeu à banalização, foi tomado de assalto, para degustarmos a vulgaridade e o conformismo. Ou será engano? Digitei palavras erradas? Talvez. O ser que se julga sábio despreza outras realidades e torna a linguagem seu fantoche, num culto que o levará de volta para o conforto e para a languidez das cavernas. Quando isso acontecer, os murmúrios voltarão, estaremos tranquilos a brincar ao redor da fogueira, bichos na sombra, na luz. O fim talvez esteja perto, pois  diante das telas reluzentes, sem pensar, não precisamos de nada, nem mesmo da linguagem. Ela será a sutiliza lacerada nas mãos bárbaros. E pode ter certeza. Eles estarão aguardando por isso.