terça-feira, 5 de agosto de 2014

Vida longa à arte

A arte é o casulo libertador das tensões humanas, o grito de incômodo. A ideia de desajuste dos artistas é tão normal quando o desconforto daqueles que não vêm na arte um filtro para as tristezas cotidianas, tampouco um meio de amplificar as alegrias, tão breves em nossos tempos. Casulo porque o ato criativo é um parto, um salto do belo para os olhos de quem vê, aos ouvidos, ao tato... quando o artista convida o interlocutor a se enveredar pelo universo da Obra, as asas da percepção inflam e fazem o pensamento ir além das expectativas. Só a arte faz isso! É um caminho sem volta, no bom sentido do verbete. 
Os incomodados mudam o mundo, criam possibilidades quando não há nada mais. A apreciação do belo deveria ser um desejo comum, porque assim todos buscariam as sensações positivas das obras de arte para renovar energias e seguir em frente. Infelizmente, os casulos são poucos. À medida que as rotinas avançam, o tempo se encurta, devora-nos feito uma esfinge, os dias ficam menores, espremidos entre tarefas. Não sabemos decifrá-los. A arte ficou esquecida, perdia entre a esquina da frieza e a avenida da massificação, limitada às tendências superficiais de nossos tempos. O casulo da arte fez o caminho de volta.
A liberdade de expressão se limita aos lapsos criativos forçados, e a produção em série, inclusive a dos movimentos artísticos, faz tudo parecer fácil, banal, nenhum esforço tem valor, nenhuma arte é longa o suficiente para preencher a vida, que já está no limite da estagnação. Nossa realidade superou a ideia de espanto proposta pelos artista modernos e fez das coisas grotescas o espetáculo principal, brindando o não-entendimento e a cegueira coletiva. Não há mergulho profundo que se dedique a entender uma letra de música, uma harmonia, um pintura, os gestos de um ator numa peça ou  a plasticidade e a fotografia de um filme. Vivamos o óbvio! Mas chagará um tempo em que nossos filhos e os filhos dos filhos redescobrirão este prazer, farão as pazes com o belo.

Um comentário:

Denise Ferreira... disse...

Que texto maravilhoso.
Esse tempo há de chegar!